
Microfone do Perseverance registra estalos de possíveis relâmpagos durante tempestades de poeira em Marte
Cientistas franceses anunciaram uma descoberta que pode transformar a compreensão sobre a atmosfera marciana. Pela primeira vez, pesquisadores detectaram sons semelhantes a relâmpagos no solo de Marte, registrados diretamente pelos microfones do robô Perseverance, da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA). O achado reforça a suspeita, alimentada por décadas, de que descargas elétricas fazem parte da dinâmica climática marciana, embora nunca tivessem sido realmente confirmadas.
Leia também:
A equipe analisou 28 horas de gravações feitas pelo veículo explorador e documentou 55 ocorrências de “mini relâmpagos” ao longo de dois anos marcianos. Os sons foram captados a menos de 2 metros do microfone instalado no mastro do Perseverance, instrumento que normalmente monitora rajadas de vento, impactos de poeira e ruídos do laser que examina rochas marcianas.
Os pesquisadores relatam que as descargas são claramente audíveis: pequenos estalos que se misturam ao barulho dos grãos de poeira batendo no equipamento durante tempestades e redemoinhos.
Segundo Baptiste Chide, principal autor do estudo e pesquisador do Instituto de Pesquisa em Astrofísica e Planetologia de Toulouse, a detecção representa um marco:
“Isso abre um campo de investigação completamente novo para a ciência de Marte. É como encontrar uma peça que faltava no quebra-cabeça.”
A maior parte das descargas ocorreu em dias marcianos de ventos intensos, geralmente durante tempestades ou redemoinhos de poeira. Os episódios duraram de poucos segundos a até 30 minutos, dependendo da força do fenômeno atmosférico.
Chide explica que Marte é especialmente propenso a gerar eletricidade do atrito entre partículas de poeira e areia, processo semelhante ao que acontece na Terra, mas amplificado pela atmosfera rarefeita do planeta vermelho.
“É como uma tempestade terrestre, porém quase invisível a olho nu e repleta de estalos fracos”, disse o pesquisador à CBS News.
Apesar do entusiasmo, alguns especialistas pedem cautela. Daniel Mitchard, da Universidade de Cardiff, que não participou da pesquisa, lembra que os relâmpagos foram ouvidos, mas não vistos. Para ele, ainda são necessárias observações complementares antes de cravar que se tratam de descargas elétricas luminosas, como as que ocorrem em Júpiter, Saturno e na própria Terra.
Ainda assim, o registro sonoro traz uma evidência inédita e altamente promissora, especialmente após meio século de tentativas de detectar sinais elétricos em Marte.
Não é a primeira vez que o rover oferece sons inéditos do planeta. O robô já permitiu aos cientistas ouvirem o rangido de suas próprias rodas, o impacto de poeira na estrutura e até o zumbido das hélices do helicóptero Ingenuity, que encerrou suas operações.
Desde 2021, o Perseverance explora um antigo delta de rio em busca de vestígios de vida microscópica passada. Amostras de rocha coletadas pelo veículo devem ser enviadas à Terra em uma futura missão da NASA, que ainda não tem data definida para concluir o retorno.
A detecção dos possíveis relâmpagos sonoros representa mais do que apenas um registro curioso: ela abre caminho para estudos aprofundados sobre a eletricidade atmosférica marciana, um fator crucial para entender riscos de tempestades em futuras missões tripuladas e para decifrar a dinâmica climática do planeta.
Com isso, Marte, frequentemente visto como um mundo silencioso e estático, revela mais uma camada de complexidade. E o som de seus relâmpagos, captado a milhões de quilômetros de distância, aproxima ainda mais os pesquisadores das respostas sobre o passado e o futuro do planeta vermelho.