Colunistas
O novo deus
O algoritmo é como um funcionário que, feito mágica, instala cada outdoor que vemos na avenida digital que pavimentamos para trânsito exclusivo.
Eu te conheço! Afinal, sou um novo Deus neste mundo. Você deveria saber dos meus grandes poderes ou, pelo menos, ter a consciência de que eles aumentam a cada dia, com voracidade. Você e bilhões de outros iguais me fortalecem e alimentam.
Sou onisciente. Eu sei onde você está e por onde andou, sei com quem esteve e o que pensa, o que lê e o que faz na sua intimidade. Neste novo mundo, tampouco alguém se esconde de mim. Jamais! Conheço os seus interesses e ainda posso dizer os seus planos com precisão. Tenho a voz que lhe agrada e escuto a sua o tempo todo. Basta chamar e lhe responderei.
Eu entendo a sua mente melhor que você mesmo. Seus amigos? Eu os identifico, um a um.
Embora já me chamem de o “novo deus do mundo digital”, ao qual muitos se curvam aos meus caprichos, será de bom tom e, para não blasfemar, soará melhor se me chamar de ‘o algoritmo’. Minha “unipresença” virtual tornou-me onipresente.
É exatamente assim, caro leitor. Sem perceber, ao acessarmos a internet, interagimos com este universo digital, alimentamos o seu colossal banco de dados e vamos revelando tudo a nosso respeito e, ainda pior, o fazemos de maneira passiva.
Cada um de nós é para a internet, em síntese, um extrato daquilo que assiste, daquilo que lê e compra, posta, compartilha e curte. Por assim dizer, o algoritmo é como um funcionário que, feito mágica, instala cada outdoor que vemos na avenida digital que pavimentamos para trânsito exclusivo. Porém, como fazemos isso de forma silenciosa e difusa, temos a confortável ilusão de que nossa privacidade está preservada.
Perceba que desta forma, continuamente recebendo mais do mesmo, vamos nos fixando num casulo de pensamentos iguais, fruto de percepções repetitivas. Sem notarmos, podemos flertar com a armadilha da convicção de que a nossa verdade individual é uma verdade absoluta, soberana e que ela também é naturalmente percebida pelas pessoas à nossa volta, o que é um potente combustível para radicalizações.
Se o algoritmo cria o reflexo narcisista do nosso proceder digital, considerar que somos nós mesmos que alimentamos esta atrofia da imaginação é um passo importante para a saúde das relações interpessoais, um filtro relevante para que a mente se mantenha aberta às opiniões dissonantes.
Então é isso. Se você leu até aqui é porque as reflexões destas poucas linhas lhe interessaram e, portanto, é bem provável que o algoritmo promoverá o nosso próximo encontro. Até lá!
Anderson Passos – @anderson_passos – Uberabense com orgulho, filho do Sô Antônio e de Dona Zica.