O futebol brasileiro tem características tão peculiares que surpreende até quem o acompanha de perto há quase 30 anos. Imagine, então, quem não está acostumado, como é o caso de jogadores e treinadores estrangeiros, agora tão em alta no mercado.

Só nosso calendário único – em função dos estaduais –, as distâncias continentais que os clubes percorrem para jogar, o uso completamente estranho do VAR e a falta de confiança dos dirigentes para explicar, por exemplo, a atitude do técnico do Botafogo, Bruno Lage, de colocar o cargo à disposição depois da derrota por 2 a 1 no clássico contra o Flamengo, no Engenhão, sábado. O jogo foi bem disputado, qualquer um dos rivais poderia ter vencido, mas ele pareceu transtornado com o resultado, como se algo muito grave tivesse ocorrido.

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Depois ele se acertou com os dirigentes, que haviam sido surpreendidos. E que saíram em defesa do “gajo” afirmando que ele só queria proteger os atletas da pressão que a torcida e a imprensa têm feito para que o time conquiste o Campeonato Brasileiro depois de 28 anos, o que é mais que natural – a vantagem botafoguense ainda é enorme, mesmo com o revés em casa.

Já no Cruzeiro, a diretoria da SAF resolveu que era a hora de trocar de treinador. Para surpresa geral, inclusive dos atletas, demitiu o técnico Pepa há uma semana e até agora não anunciou o substituto, mostrando falta de planejamento digna de qualquer direção amadora da época da associação.

O trabalho de Pepa pode não ter sido maravilhoso, mas, diante das limitações do grupo, vinha conseguindo entregar o que se esperava. Em 26 jogos, foram oito vitórias, oito empates e 10 derrotas, com 26 gols marcados e 25 gols sofridos.

O time dele poderia ter obtido aproveitamento melhor dos que os 41,03% dos pontos conquistados. Mas não é culpa do português se os jogadores tomam decisões erradas ou têm dificuldades absurdas para fazer gols – o que se repetiu diante do Bragantino, no domingo, já sob o comando interino de Fernando Seabra, da equipe Sub-20.

Me lembro que coisa semelhante ocorreu com outro técnico português quando a SAF não era nem um plano no Barro Preto. Em 2016, a direção azul também trouxe do outro lado do Atlântico o técnico Paulo Bento para tentar fazer o time se sair bem no Campeonato Brasileiro.

Bem mais experiente que Pepa, o ex-técnico da Seleção Portuguesa também não resistiu à incompetência de seus comandados. Foram 17 jogos, com seis vitórias, três empates e oito derrotas, ou 41,18% dos pontos conquistados, praticamente o mesmo aproveitamento do obtido este ano pelo conterrâneo. Já o ataque marcou 23 gols, enquanto a defesa foi vazada 28 vezes.

Muito da dificuldade que o Cruzeiro enfrenta para contratar um treinador passa pelo fato de que ficou claro que os profissionais que administram a SAF, com todos os mestrados e pós-graduações, inclusive fora do Brasil, não parecem tão diferentes dos clubes geridos por amadores. Além disso, há a questão financeira, já que no Brasil pagam salários muito altos para os treinadores.

NOVO CICLO

A Seleção Brasileira principal inicia um novo ciclo esta semana. Uma pena que seja de uma forma um tanto quanto atabalhoada. O ideal é que já tivéssemos em ação, nestas duas primeiras rodadas de Eliminatórias Sul-Americanas, o comandante que a CBF considera ideal para levar o Brasil ao hexa em 2026.

Porém, como o desejo do presidente Ednaldo Rodrigues é mesmo ter Carlo Ancelotti como treinador, resolveu esperar até que termine o contrato do italiano com o Real Madrid, em junho do ano que vem. Até lá, vamos de Fernando Diniz, um dos mais promissores treinadores do nosso futebol.

Quero ver o que o mandatário vai fazer se até o meio do ano que vem o Escrete Canarinho estiver não só vencendo os jogos – contra alguns adversários fracos, é verdade –, mas também jogando o fino da bola. Aumentará muito o risco de trazer um estrangeiro, por melhor que ele seja. E no caso de Ancelotti, ele é bom mesmo, mas precisará de tempo para se adaptar e as críticas serão inevitáveis em caso de natural oscilação de rendimento.

Paulo Galvão

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