
Além de italianos, segundo autor da denúncia, alemães, franceses e ingleses se divertiam matando pessoas | Reprodução/Pexels
Uma investigação conduzida pelo Ministério Público de Milão apura um episódio estarrecedor ocorrido durante a Guerra da Bósnia (1992–1996): estrangeiros, em sua maioria italianos, teriam dado dinheiro a soldados do exército sérvio-bósnio para poder atirar contra civis em Sarajevo, transformando o cerco à cidade em um “safári humano”.
Leia também:
A denúncia foi apresentada pelo escritor Ezio Gavazzeni, que afirma ter reunido, ao longo de anos de pesquisa, provas concretas da prática apelidada de “turismo de atiradores de elite”. De acordo com ele, cidadãos italianos, alemães, franceses e ingleses desembarcavam nos arredores da capital bósnia para atirar em moradores locais por prazer, sob a proteção de militares ligados a Radovan Karadžić, ex-líder sérvio condenado por genocídio e crimes contra a humanidade.
Segundo Gavazzeni, que prestou depoimento aos promotores italianos, “muitos, muitos italianos” participaram das viagens e alguns deles já foram identificados e deverão ser interrogados nas próximas semanas. A acusação formal é de homicídio agravado por crueldade e motivos abjetos.
O autor contou ao jornal The Guardian que decidiu levar o caso à Justiça após assistir ao documentário Sarajevo Safari (2022), do cineasta esloveno Miran Zupanič. No filme, um ex-soldado sérvio e um empreiteiro relatam que grupos de estrangeiros pagavam para atirar contra civis indefesos, usando os telhados das colinas de Sarajevo como mirante.
Gavazzeni disse que foi o ponto de partida. A partir dali, começou a investigar até reunir material suficiente para apresentar aos promotores. O advogado Nicola Brigida, que o acompanha na denúncia, afirma que as provas são robustas e podem enfim permitir que os responsáveis sejam processados.
Entre 1992 e 1996, Sarajevo viveu o mais longo cerco da história moderna, com mais de 10 mil mortos sob bombardeios e tiros de franco-atiradores. Um dos locais mais temidos era a avenida Meša Selimović, apelidada de Sniper Alley (“Beco do Atirador”), onde qualquer tentativa de atravessar a rua podia ser fatal. Nem ônibus, bondes ou crianças eram poupados.
As cenas de horror foram registradas por jornalistas e fotógrafos do mundo inteiro. Um dos episódios mais simbólicos foi o assassinato de Boško Brkić e Admira Ismić, o casal que tentava atravessar uma ponte para fugir da cidade em 1993. Suas mortes, filmadas e amplamente divulgadas, inspiraram o documentário “Romeu e Julieta em Sarajevo” e se tornaram um ícone da brutalidade da guerra.
Além do material reunido por Gavazzeni, a investigação ganhou força com um relatório assinado pela ex-prefeita de Sarajevo, Benjamina Karić, que enviou documentos ao Ministério Público italiano corroborando a existência do “turismo de tiro” durante o cerco.
Apesar das negativas de veteranos de guerra sérvios, o caso agora ganha dimensão internacional e retoma a discussão sobre a cumplicidade de estrangeiros nos crimes cometidos nos Bálcãs.