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CRIME PASSIONAL: Quem é capaz de matar por paixão? 

Psicólogo criminal avalia perfil de homens que cometem crimes passionais contra mulheres. Matar por paixão é justificativa para violência.

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Foto: pexels

Convidamos o professor Christian Costa, que atua na área clínica e criminal há mais de duas décadas para responder a essa pergunta. Costa é filósofo, psicólogo forense e autor de vários livros, entre eles: “Se o mal tivesse um nome”. Suas análises de casos de repercussão nacional podem ser vistas nos programas Investigação Criminal e Anatomia do crime.

A palavra passional do latim passionalis, de passio (paixão) na criminologia é entendida como um ato criminoso praticado por aquele que mata por “paixão”. Ao longo dos séculos esse é um tipo de crime nunca deixou de existir. Mudam-se apenas os nomes dos criminosos e das vítimas, mas os motivos são sempre idênticos: ciúme excessivo,orgulho ferido, privação da posse e controle do outro, além de dificuldade em lidar com a frustração. Diante de casos de feminicídio em Minas Gerais, entender as particularidades do crime, as características comportamentais dos criminosos e sinais de ameaça às vítimas são alguns dos temas que abordaremos nesta entrevista exclusiva.

1- Quando uma pessoa pode perceber que é vítima de um relacionamento amoroso abusivo? Há sinais? Se sim, quais?

Há muitos sinais, mas aqui estamos falando em crimes passionais. A maioria dos casos inclusive, até mais de 50% os criminosos sexuais cometem suicídio depois. E a grande maioria dos crimes passionais, quando chega ao feminicídio a mulher já se separou e está tentando uma nova vida, com uma nova pessoa e é, nesse momento, que os homicídios muitas vezes acontecem. Entre os muitos sinais podem-se destacar: ciúmes excessivo, controle do e-mail, controle do Whatsapp, controle das relações de amizade no trabalho, das amizades do dia a dia por parte do ofensor em relação à vítima. Ele vai cercando a pessoa de uma maneira que começa a impedir que ela viva, respire, caso não esteja ao lado dele. Esses seriam os primeiros degraus de uma escada, depois essa mulher começa a perceber, amigos próximos começam a falar para que ela tome cuidado porque o companheiro está tendo comportamento excessivo e controlador. Diante disso, a vítima tenta reagir e aí começam as violências verbais, a violência psicológica, com objetivo de se ter o controle de dizer: “Se você terminar comigo ninguém vai estar com você, você é uma mulher feia”. O indivíduo começa a humilhar a mulher com abuso emocional e psicológico dizendo que ninguém vai querer ela. Começa o gaslight (manipulação psicológica) e a destruição da estrutura egóica (o ego) dessa mulher. Por conta desse sentimento em que é envolvida, a vítima se agarra ao opressor. Portanto, os ciúmes excessivo, o afastamento intencional da mulher do convívio social são os principais sinais que podem culminar no feminicídio.

2- Percebendo estar num relacionamento abusivo quais são as formas de se buscar ajuda? Existem pessoas que não imaginavam que teriam, por exemplo, que recorrer à polícia em algum momento. Há sinais de quando se deve tomar essa providência?

Eu trabalho com essa temática há mais de 20 anos e a minha experiência demonstra que as mulheres buscam fazer denúncia sim. Elas procuram familiares, fazem boletim de ocorrência. Então, muitas delas denunciam se afastam dessa pessoa, terminam o relacionamento, mas esses sujeitos não aceitam. Como se tem uma controle abusivo em relação a elas, não aceitam o afastamento e essa decisão de separação por parte da mulher. Embora elas busquem essa ajuda, isso não impede que o indivíduo se afaste. Ele vai tentar se reconciliar, mas quando ele vê que ela não vai voltar age agressivamente. A partir dos primeiros sinais do controle, dos ciúmes e das agressões a mulher já deve buscar ajuda para não deixar que o problema evolua. É importante que ela comunique aos familiares, amigos, as pessoas do trabalho ou ao porteiro do prédio para impedir acesso ao lar da vítima e avisar a polícia. Sempre fazer o boletim de ocorrência.

3- Muitas vezes, por anos, uma pessoa convive com outra num relacionamento. E começa a perceber mudanças de comportamento do parceiro: distanciamento e ao mesmo tempo controle excessivo ou “posse” do outro; falta de empatia; agressividade. Algumas pessoas chegam a dizer: “nossa é como se eu estivesse no filme “dormindo com o inimigo”. No início, flores! Depois uma chuva de raiva e indiferença após anos de união. Isso pode ter alguma explicação psicológica ligada ao comportamento, digamos, do suposto “ofensor” ou mesmo da suposta vítima?

As mudanças no relacionamento sempre vão acontecer. São duas personalidades que irão formar o perfil do casal. Então, mudanças comportamentais vão ocorrer, mas quando se fala em casal o que se espera é que se aumente a compreensão, a paciência, o afeto e o cuidado com outro. Não é diminuir a empatia, nem aumentar a agressividade. É aumentar a tolerância. Um casal que dá certo, à medida que o tempo passa os dois vão aprendendo, inclusive, a recuar a uma série de comportamentos que se consideravam serem inadequados. Um casal que se ama e se gosta muda, não para o outro, mas muda em benefício da relação porque a relação é um ente em si. No entanto, nos casos de indivíduos controladores e abusadores quando percebem a reação dessa mulher e que ela não se submete a ele mais, esse sujeito começa a agir agressivamente. Essa alteração de comportamento começa à medida que ele perde o controle que supostamente imaginava ter sobre essa vítima.

4- Por que matar quando um dos parceiros do casal não quer mais o relacionamento amoroso? O que pode levar uma pessoa a essa condição extrema e muitas vezes deixando os filhos órfãos (um deles morre assassinado e depois se mata ou é preso)? A carga dessa tragédia vai para a família, em especial os filhos. Quais possíveis implicações disso?

O que leva um homem a matar uma mulher? É aí que entra a natureza de um crime passional. Normalmente crimes passionais não são cometidos por psicopatas.Um homem passional é aquele que tem uma série de fragilidades estruturais, possui uma necessidade de controle e baixa tolerância à frustração. Ele é um indivíduo que tem uma série de questões com relação materna, complexos maternos. Mas, é importante destacar que o ato de matar é o de não suportar a vida sem essa pessoa e de não aceitar que essa pessoa seja de outra. É aquela famosa frase: “Se não for minha não será de ninguém”. No caso de um criminoso passional essa não é uma ameaça, essa é uma realidade! Quando ele diz vou matar porque ela é minha e não vai ser mais de ninguém é um tipo de controle absurdo e um controle de vida, paranóico (que se caracteriza por um estado constante de ansiedade e desconfiança em resposta a um medo específico) e patológico (doente). É insuportável para o sujeito perceber que aquela mulher não está mais sob o jugo dele.

5- O senhor teria algum exemplo de caso em que ou a ação de pedir ajuda contribuiu para o não feminicídio ou o contrário (a demora resultou no assassinato)?

Infelizmente, são dezenas de exemplos de casos em que atuei seja como perito e assistente técnico ou com investigações dentro de casos penitenciários. Mas, a maioria, quase a totalidade, infelizmente, é de mulheres que fizeram o boletim de ocorrência, que se afastaram e mesmo assim morreram. É um crime pouco estudado, a natureza do criminoso passional, tramita ali entre um transtorno de personalidade, um transtorno delirante também com esse ciúmes absurdos e patológicos. Existe uma série de dimensões da personalidade deste indivíduo. Na minha atuação, quase que diária, eu pude avaliar muitos criminosos passionais que tinham esse perfil. Os meus casos foram dentro do sistema penitenciário com homens que matam as esposas/ companheiras e dizem o quanto se arrependem. Um deles matou a esposa com um tiro na cabeça. Mas foi ele mesmo quem se entregou à polícia. Tentou se matar e não conseguiu e quando a polícia chegou o encontrou ao lado do corpo da mulher. Ele, apesar de ser muito forte fisicamente, se entregou sem resistência. Eu o atendi por mais de um ano no ambiente penitenciário e ele dizia o quanto se arrependeu, o quanto não queria ter feito aquilo que acabou com a vida dele. Esse indivíduo tinha um casal de filhos que passou a viver com os pais da mulher que ele matou.

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