
Movimento dos Atingidos por Barragens vê decisão de tribunal britânico como marco na luta por justiça após o rompimento da barragem de Fundão
A responsabilização da BHP Billiton pelo desastre em Mariana levou o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) a comemorar uma “vitória histórica”, nesta sexta-feira (14). O Tribunal Superior de Londres reconheceu que a mineradora teve papel direto no rompimento da barragem de Fundão, que matou 20 pessoas e atingiu toda a Bacia do Rio Doce.
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Para o movimento, o posicionamento da Justiça britânica “reafirma as denúncias feitas nos últimos dez anos” e expõe a incapacidade da Justiça brasileira em responsabilizar as empresas envolvidas, especialmente a Vale, sob alegação de falta de provas.
A corte concluiu que a BHP, uma das controladoras da Samarco ao lado da Vale, tem responsabilidade parcial pelo desastre que devastou a Bacia do Rio Doce em 2015. O posicionamento reforça que a mineradora tinha conhecimento dos riscos estruturais da barragem e não adotou ações suficientes para evitar a ruptura.
Com esse entendimento, o processo segue para uma nova fase. A avaliação dos danos e das indenizações só será definida no segundo julgamento, previsto para outubro de 2026. Embora ainda distante, essa etapa pode resultar em reparações bilionárias, os autores da ação reivindicam 36 bilhões de libras, valor que supera R$ 250 bilhões.
O julgamento no High Court ocorreu entre outubro de 2024 e março de 2025. Nesse período, especialistas, sobreviventes e representantes de municípios apresentaram relatos que detalham os impactos humanos, ambientais e econômicos provocados pela lama de rejeitos. A ação pôde ser julgada em Londres porque a BHP mantinha, à época, uma de suas sedes na capital britânica.
Mais de 600 mil pessoas integram o processo coletivo, que também reúne 31 municípios atingidos, empresas locais e comunidades indígenas. Muitos desses grupos afirmam que buscar a Justiça britânica foi a única alternativa após anos de frustrações com decisões no Brasil.
O rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, liberou uma onda de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos. A lama destruiu distritos como Bento Rodrigues, matou 19 pessoas, incluindo uma criança de cinco anos, e provocou milhares de deslocamentos forçados. A enxurrada percorreu cerca de 650 quilômetros até atingir o oceano Atlântico, arrastando casas, matando animais, sufocando rios e devastando áreas protegidas de Mata Atlântica.
Quase dez anos depois, comunidades continuam esperando reassentamentos definitivos e medidas de recomposição ambiental. Para muitos atingidos, o que se perdeu não se resume a bens materiais, mas à história de vida e ao pertencimento.
A busca por responsabilização se fragmentou entre Brasil e exterior. Em novembro do ano passado, a Justiça brasileira absolveu empresas e executivos por entender que as provas não eram conclusivas. Pouco antes dessa decisão, autoridades brasileiras firmaram um acordo de R$ 132 bilhões para ações de reparação, valor considerado insuficiente por parte dos atingidos.
Para advogados que representam vítimas no Reino Unido, menos de 40% dos afetados foram contemplados pelos mecanismos de reparação nacionais. A percepção de impunidade também impulsionou relatos emocionados durante o julgamento britânico. Familiares de vítimas descrevem repetidamente que, no Brasil, sentiram que “não houve justiça”.
O processo no Reino Unido também ganhou apoio de administrações municipais. Representantes de cidades diretamente impactadas afirmam que as perdas econômicas e estruturais ainda persistem. Prefeitos e lideranças comunitárias relatam que a reconstrução avança de forma lenta e desigual, tornando o julgamento britânico uma esperança para garantir reparação mais ampla.
A BHP insiste que não foi “poluidora direta” e afirma ter prestado assistência financeira a centenas de milhares de pessoas. A mineradora defende que o acordo costurado no Brasil oferece o caminho mais eficaz para reparação e adiantou que vai recorrer da decisão britânica.
A Vale, por sua vez, reforçou que qualquer valor determinado no exterior será dividido igualmente com a BHP, conforme acordo confidencial firmado entre as empresas. A companhia informou nova provisão financeira para obrigações futuras.
O caso de Mariana se tornou símbolo global de discussão sobre responsabilização corporativa. A decisão britânica reacende debates sobre a atuação de grandes mineradoras na América Latina e a necessidade de garantir mecanismos de reparação que ultrapassem fronteiras nacionais.
Além disso, grupos como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) consideram o avanço no Reino Unido um marco que fortalece a luta internacional para evitar novos crimes socioambientais. Para o movimento, a sentença britânica reconhece, ainda que parcialmente, um histórico de denúncias que não encontrou acolhimento adequado no Judiciário brasileiro.