Justiça

Prende e solta: entenda porquê criminosos não ficam na cadeia após cometer crimes

Samuel Dener da Silva, apontado pela PM como assassino da recepcionista Nerussa Roussos, foi solto após ter sido detido pela polícia. Ele só voltou à cadeia após decisão judicial

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A recepcionista Nerussa Roussos, de 38 anos, foi morta com um tiro no peito após reagir a um assalto em Contagem, na Grande BH | Foto: Divulgação Redes Socais

“O sentimento é de revolta pois soltaram o cara. O amigo da minha irmã foi testemunha ocular. A palavra do assassino vale mais que a da testemunha. Revolta, indignação: essas são as palavras”.

A indignação e a certeza da impunidade expressadas nas palavras de Nialla Roussos Machado, irmã de Nerussa Roussos – vítima de latrocínio em Contagem, na Grande BH no último dia 22 – resume bem como a maioria da sociedade brasileira vê a punição aos criminosos no país.

Latrocínio

De acordo com a Polícia Militar, Nerussa e um amigo de 27 anos estavam conversando perto da academia onde trabalhava, no bairro Industrial em Contagem, na Grande BH, quando foram abordados por um homem, identificado como Samuel Dener da Silva. Armado, ele anunciou o assalto e exigiu que a recepcionista entregasse o celular e a chave de um carro que estava nas mãos da vítima.

A mulher recusou a entregar a chave, dizendo que não era a dona do carro. Então, Samuel ameaçou atirar e a vítima o desafiou. Neste momento, o criminoso disparou contra a recepcionista e acertou o peito de Nerussa. Ela chegou a ser socorrida e foi levada para o hospital Santa Rita mas não resistiu ao ferimento e morreu.

Prisão e soltura

A revolta da família de Nerussa veio à tona, após Samuel ser liberado depois de ser preso na última terça (26). O suspeito, que também é conhecido como Magrin, foi reconhecido pelo homem que estava conversando com a vítima no momento do crime. “Ele não teve dúvidas em reconhecer o suspeito. Chegou a dizer ‘meu coração gelou, só de vê-lo’”, garantiu o tenente Gilênio Ferreira, que comandou a ação do Tático Móvel do 39º Batalhão da PM que efetuou a prisão de Samuel.

No celular de Magrin, os militares encontraram um histórico de pesquisas na internet sobre latrocínio em Contagem. Aos policiais, Samuel admitiu que passou na frente da academia onde Nerussa trabalhava na noite do crime e fez as consultas porque ouviu falar do crime “e que ficou com dó do que fizeram com a mulher”.

“Quando ele disse isso tivemos a nítida impressão de que ele, na verdade, estava buscando saber sobre a repercussão do crime. Eles são frios, dissimulados. Disse isso, mesmo sabendo que ele mesmo tinha sido cometido este crime”, afirma o tenente da PM.

No dia seguinte, o delegado que recebeu a ocorrência de prisão decidiu liberar Magrin por entender que “não haveria elementos técnico-jurídicos que fundamentassem a ratificação da prisão em flagrante”.

O suspeito de matar Nerussa, que cumpre pena por roubo e estava em liberdade condicional, só voltou a cadeia após o juiz da Vara de Execuções Penais de Contagem, Wagner Cavalieri, suspender o benefício por que Samuel “deixou de manter comportamento irrepreensível” e também não mais “se absteve de comportamentos indevidos e retornou às práticas delituosas”.

“Nesse caso, como haviam indícios suficientes de que ele tenha participado deste crime de latrocínio, a lei de execução penal permite que o juiz suspenda o livramento condicional. E foi o que aconteceu”, explica o juiz.

Motivos do ‘prende e solta’

As idas e vindas da liberdade à prisão de criminosos como Samuel  intrigam a mente de muitos brasileiros. Sem conhecer o conjunto de leis que regem o ordenamento jurídico, a maioria da sociedade externa um sentimento de impunidade ao ver alguém, já condenado, voltar a cometer outro crime, ainda mais grave, por estar em liberdade. “Sei que nada vai trazer a vida da minha irmã de volta, mas se esse homem estivesse preso a Nerussa estaria conosco. Não dá para viver com essa sensação de quem comete um crime horrível como este vai continuar por aí, solto”, diz Nialla Roussos Machado, irmã de Nerussa.

Exceção

A prisão, pela Lei brasileira é uma exceção. A Constituição da República garante no artigo 5º, inciso LXI que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Para Carla Silene, professora de Direito da faculdade Ibmec em Belo Horizonte, o procedimento adotado pela Polícia Civil no processo de liberar o suspeito da morte de Nerussa cumpriu os requisitos legais. “A Justiça só pode manter uma prisão, seja em flagrante ou preventiva, enquanto permanecerem os requisitos para a prisão. Se eles não existem, não há como manter o indivíduo preso”, explica a professora.

Para o criminalista Mateus Miranda, na primeira prisão de Samuel, tanto a Polícia Militar como a Civil agiram de maneira correta: a primeira, por manter a perseguição ao assassino e levantar os indícios que colocam Magrin como o autor do crime; e a segunda por cumprir o que determina a lei, já que o prazo para o flagrante já tinha expirado. “Nem que Samuel confessasse a autoria do latrocínio, ele poderia ficar preso. Tanto a PM como a Civil cumpriram exatamente o que estava determinado na Lei”, explica o criminalista.

Wagner Cavalieri, juiz da Vara de Execuções Penais que determinou o retorno de Samuel à prisão por descumprir os requisitos do livramento condicional, afirma que a decisão da Polícia Civil de soltar o suspeito após a primeira prisão seguiu o ordenamento jurídico. “Muitas vezes por olhos leigos, a questão do indivíduo ser preso pela PM e ser liberado pela autoridade policial, ou mesmo pelo juiz em uma audiência de custódia, pode ter um viés de impunidade. Mas, antes de mais nada, isso é uma garantia para toda a sociedade. É uma garantia que cada instituição, cada ator da persecução penal está cumprindo seu papel e está analisando e avaliando se aquela prisão preencheu requisitos, se ela é legal, se ela não está extrapolando seus limites”, defende o magistrado.

Mudanças

Tanto Cavalieri, como Silene afirmam que são necessárias mudanças no ordenamento jurídico como nas condições de trabalho de todos os entes envolvidos no processo de jurisdição para devolver a sociedade uma maior confiança em relação ao cumprimento das leis.

“O aperfeiçoamento da legislação é fundamental, até mesmo para que não se permita o excesso de interpretações da legislação.  Nós temos visto algumas decisões, principalmente nos Tribunais Superiores em Brasília, que dificultam a ação da polícia, do próprio Ministério Público e do juiz na ponta da lança. Tudo isso passa por um maior esclarecimento da sociedade, pelo aperfeiçoamento dalegislação, que tem que ser feita de forma planejada, estudada, por gente credenciada, que entenda do assunto, não do ponto de vista teórico, mas prático também”, explica o juiz da Vara de Execuções Penais de Contagem.

“É preciso garantir uma melhor estrutura de trabalho as Policias, seja Militar ou as judiciárias como a Civil e a Federal; ao Ministério Público e todo o Judiciário. Isso vai dar mais celeridade aos processos. Assim, as instituições conseguem devolver à população a sensação não só de fim de impunidade, mas também de garantia de que injustiças não vão ser cometidas”, analisa a professora do Ibmec.

Enquanto as mudanças não chegam, para a Nialla Roussos e toda a família de Nerussa, ver Samuel atrás das grades garante alívio. “Graças a Deus ele está preso. A prisão dele não vai trazer minha irmã de volta, mas esse covarde tem que pagar pelo que ele fez!”, afirmou.

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