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VIOLÊNCIA SILENCIOSA: demora para pedir ajuda pode levar à morte

Quase 90% das mulheres mortas por feminicídio em MG não registraram medidas protetivas contra seus agressores

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Muitas mulheres sofrem violência doméstica e têm medo de pedir ajuda. Foto: Reprodução Pexels

Nesta semana, uma nutricionista de 39 anos foi vítima de feminicídio, em Belo Horizonte. O marido dela, o engenheiro Thiago Lima Ferreira, o principal suspeito do crime. Segundo a polícia, ele chegou a confessar, por telefone, para os pais da vítima e para a Polícia Militar, que foi até a casa da esposa e a esfaqueou enquanto os filhos do casal de 6 e 4 anos dormiam. 

Thiago pediu para que o padrinho dos filhos buscasse as crianças no apartamento onde ocorreu o crime. O suspeito fugiu em um carro modelo Toyota Etios, logo após o assassinato e as imagens das câmeras do prédio estão sendo usadas na investigação policial.  No local, o corpo de Cecília Marina Ribeiro Araújo, segundo a polícia, foi encontrado com diversas facadas. 

Uma batida na rodovia BR-040, sentido Brasília, em Minas Gerais, foi registrada horas após o assassinato e o carro era o mesmo que havia saído da garagem depois da morte da nutricionista. O motorista dirigia pela estrada, na contramão, e a polícia investiga de o carro foi jogado em frente a uma carreta. O corpo ficou completamente carbonizado e foi encaminhado para identificação do Instituto Médico Legal de Minas Gerais (IML). Nessa sexta-feira (1), foi comprovado pela Polícia Civil que o corpo carbonizado era, de fato, do engenheiro suspeito de matar a esposa.

O silêncio

Cecília Araújo nunca havia registrado qualquer tipo de boletim de ocorrência ou formalizado queixa contra o marido, enquanto estavam em processo de separação. Para os investigadores do caso, há fortes indícios de que Thiago Ferreira teria cometido o crime por não aceitar o fim do relacionamento do casal.

Mas, quais os sinais que poderiam ter levado a nutricionista a pedir ajuda ou avaliar se estava sofrendo algum tipo de violência, antes do caso se agravar levando à morte dela?

“Romper o ciclo da violência não é uma tarefa fácil. É difícil para a mulher até mesmo perceber que está em um relacionamento abusivo. Quando percebe ainda tem que buscar forças para romper com esse ciclo. Sabemos de questões como a dependência financeira, psicológica e, muitas vezes, da falta de apoio da família e de condições para que ela possa realmente se livrar dessa situação”, afirma Renata Ribeiro Fagundes, delegada titular da Delegacia Especializada de atendimento à mulher da Polícia Civil de MG.  

O último levantamento de dados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e de Vítimas de Feminicídio, atualizado em 23 de março deste ano pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), aponta que em 2021 apenas cerca de 10% (dez por cento) das 367 mulheres mortas por feminicídio tinham pelo menos uma medida protetiva contra o seu agressor ou no máximo três em Belo Horizonte, cidades do interior de Minas Gerais ou da Região Metropolitana da capital. Grande parte delas nunca notificou a polícia sobre qualquer tipo de violência que estariam sofrendo. 

Escalada da Violência

Uma mulher, que não quis se identificar, revelou à equipe do Portal Aqui, que terminou o casamento há quase um ano, mas que há alguns meses vem recebendo ameaças do ex-companheiro. O homem atribui a ela a culpa pelo fim da relação amorosa e chegou a dizer que não consegue mais ter vida social, se alimentar direito e que frequentemente pensa em se matar.

Ainda acordo com a delegada, essa forma que o homem utiliza para fazer com que ela se sinta culpada pelo término do relacionamento, ou se sinta culpada até pelo comportamento dele é uma forma de violência psicológica. “Isso também ocorre em um relacionamento abusivo e é difícil para a mulher perceber num primeiro momento, porque ela acredita ser culpada por ter gerado aquela situação. E isso é uma forma de violência também”, afirma Renata Ribeiro.

A orientação, segundo a polícia, é para que assim que a vítima perceber esse tipo de relação, tente romper com o ciclo, ainda no início, porque existe uma escalada da violência. “A violência psicológica pode evoluir para uma violência física e até para o ápice que é o feminicídio”, adverte a delegada.

Lar violento

A violência cometida dentro do lar é uma das mais perversas. O seio familiar é o local onde se espera haver segurança, um lugar de conforto e acolhimento entre aqueles que fazem parte da família. Mas, essa realidade nem sempre é assim. O local que deveria ser “refúgio” para as dificuldades do mundo se torna um verdadeiro pesadelo para quem, dentro de casa, sobrevive às situações de violência, sejam elas diárias ou esporádicas.

Nesse sentido, um dos maiores desafios para os profissionais da saúde e da segurança têm sido combater a violência doméstica em nossa sociedade.  A Lei Maria da Penha nº 11.340 de 2006 classifica vários tipos de violência doméstica. São elas:

  • violência física (espancar, atirar objetos, sacudir e apertar os braços, estrangular ou sufocar e provocar lesões);
  • psicológica (ameaçar, constranger, humilhar, manipular, proibir de estudar, viajar ou falar com amigos e parentes, vigilância constante, chantagear, ridicularizar e ou distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre sanidade mental dela;
  • violência patrimonial (controlar o dinheiro; deixar de pagar pensão, destruir documentos pessoais, privar de bens, valores ou recursos econômicos, além de causar danos propositais aos objetos da mulher.

Outra violência, muito comum que também pode ser cometida pelo companheiro dentro de casa, é a violência sexual. Ela se caracteriza, segundo especialistas, como o estupro (independentemente de a mulher ser casada, se a relação não for consensual), obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto, impedir o uso de métodos contraceptivos ou forçar a mulher a abortar, além de limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.

Além disso, o feminicídio passou a ser considerado a morte violenta de mulheres, como crime hediondo, em 2015 no Brasil. 

Nova forma de acolhimento

A Casa da Mulher Mineira, fica no Barro Preto, na Região Centro-Sul de BH | Foto: Polícia Civil / MG

Nessa semana, foi inaugurada uma unidade policial, em Belo Horizonte, chamada Casa da Mulher Mineira, como iniciativa da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG). O objetivo é atender ocorrências de demanda espontânea das mulheres vítimas de violência doméstica, familiar e sexual, garantindo um atendimento humanizado e mais rápido, em local projetado de forma mais acolhedora.

“A Casa da Mulher Mineira é mais um importante instrumento e um canal de denúncia de mulheres que estão sofrendo violência doméstica ou familiar. O espaço é multidisciplinar onde, a partir de agora, as mulheres não vão mais ser atendidas nos dias de semana e horário de expediente no mesmo local onde as ocorrências são realizadas havendo a possibilidade de se encontrar no ambiente os supostos agressores”, afirma a delegada Renata Ribeiro Fagundes.

Ainda conforme a delegada, ter mais um instrumento para que essa denúncia possa ser feita de forma adequada, com acolhimento e com o devido encaminhamento para os órgãos da rede de proteção “é uma forma de fazer com que essa mulher se empodere, que ela se sinta segura para buscar ajuda”, completa.

A Casa da Mulher Mineira foi totalmente equipada e decorada com recursos de emendas parlamentares, orçamento próprio e parcerias com instituições públicas e privadas. “Cumprindo as diretrizes e determinações da Lei Maria da Penha, tem por objetivo oferecer um acolhimento de serviço humanizado à mulher, disponibilizar um espaço de escuta qualificada e privacidade durante o atendimento para promover um ambiente de confiança e respeito às mulheres, oferecer informações quanto aos diferentes tipos de atendimento assegurando, assim, que elas compreendam o que vai ser realizado em cada etapa dos procedimentos sempre respeitando a decisão dela de como vai ser a realização de qualquer atendimento”, explica Fagundes.

Ainda de acordo com a delegada, um dos serviços é garantir o acesso ágil à Justiça, por meio da solicitação de medidas protetivas e encaminhamento ao núcleo especializado de atendimento à mulher da Defensoria Pública. “Isso também irá garantir a inserção dessa mulher nas várias esferas do governo para fomentar a independência dela e garantir a sua autonomia proporcionando uma proteção integral e efetiva. As mulheres em situação de risco de morte também serão encaminhadas às casas abrigo e serviços de referência que integram a rede proteção”, completa a delegada. 

A Casa da Mulher Mineira ainda terá um espaço especial reservado para o exame de corpo de delito por profissionais qualificados e proporcionará todo um atendimento multidisciplinar necessário, em um só lugar.  A casa funciona de segunda a sexta-feira, de 8h30 às 18h30.

Localização

A Casa da Mulher Mineira está localizada na Avenida Augusto de Lima, 1.845, no bairro Barro Preto, próximo à Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher, em Belo Horizonte. Na nova unidade, às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar poderão solicitar medidas protetivas de urgência e acompanhamento até a residência para retirada de seus pertences em segurança (roupas, documentos e medicamentos); realizar a representação criminal para a devida responsabilização do agressor; além de atendimento psicossocial e orientação jurídica 

A Delegacia de Atendimento à Mulher

Além da Casa da Mulher Mineira, a polícia civil conta com a Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso e à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância (Demid), que fica na Avenida Barbacena, 288, bairro Barro Preto, também em Belo Horizonte. A Demid funciona 24 horas por dia para recebimento de ocorrências com conduzidos pela Polícia Militar, especialmente em situações de flagrantes.

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