Polícia

FÚRIA JOVEM: “Assassinatos complexos costumam ser obra de mãos experientes”

Um adolescente, de 17 anos, foi apreendido no início deste mês, suspeito de sequestrar e depois matar outro jovem, de 16, em Ipatinga, no Vale do Aço. O corpo da vítima foi encontrado em uma cova rasa, em uma região de mata entre os municípios de Santana do Paraíso e Belo Oriente, com marcas de tiros e os braços amarrados. Os motivos que teriam levado ao crime? Um tapa que a vítima teria dado no rosto do suspeito e uma possível rixa com tráfico de drogas na região, segundo a polícia. 

O assassinato só foi descoberto porque a Polícia Militar fazia patrulhamento em uma região de Ipatinga, onde são frequentes os casos de venda de drogas. No local, os policiais receberam informações sobre uma casa abandonada onde um homem de 19 anos escondia drogas, com ajuda de um adolescente. No local, foram apreendidas 15 porções de cocaína, além de duas barras, dois tabletes de maconha e uma surpresa: durante a ação, um dos jovens confessou ter matado outro adolescente e levou os policiais até o local onde o corpo foi enterrado.

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O médico neuropsiquiatra e professor universitário Élder Machado, mestre em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela Universidade Federal de Pernambuco, concedeu entrevista exclusiva ao portal Aqui. O especialista analisou o caso do sequestro seguido de assassinato, em Ipatinga, para fazer apontamentos importantes sobre as possíveis motivações que têm levado jovens, como neste caso, a serem assassinos tão cedo.

Um jovem, menor de idade, suspeito de comprar uma arma para matar outro adolescente por motivos, possivelmente fúteis ou torpes, é demonstração de algum tipo de transtorno?

Não poderia falar de um caso específico sem examinar pessoalmente o paciente/indivíduo em questão. Mas, em termos gerais, é possível dizer que o ato complexo de múltiplas etapas, envolvendo compra de arma, busca da vítima e execução de ato violento, é sugestivo de perspectiva funcional ou utilitarista de outras pessoas. Não seriam vidas com valor intrínseco (que tem valor especial), mas obstáculos ou meios para um fim. Se pensarmos em vingança, a vítima seria o objeto passivo de exercício de poder e catarse (na psicologia é considerado um efeito liberador produzido por certas ações, especialmente as que fazem apelo ao medo e à raiva) de agressividade. Mínima empatia, finalmente. Os transtornos de personalidade com mínima empatia seriam a principal hipótese. Personalidade anti-social, mais especificamente.

O comportamento criminal, geralmente, ligado ao crime de assassinato muitas vezes ocorre após dois contextos especificamente: de forma não planejada ou planejada. No caso desse jovem suspeito de matar outro em Ipatinga, que há sinais desse possível “planejamento”? Há supostos indícios de que ele poderia já ter cometido um crime tão hediondo anteriormente? 

Em uma situação teórica, em que um indivíduo planeja uma ação violenta para privar alguém de sua vida, é possível entender que não há muita emoção em curso, pois o tempo, geralmente, arrefece as paixões da alma. Resta a explicação de que aquele ato é parte do método de vida, meio ordinário e rotineiro para solução de conflito. O homicídio é uma ferramenta daquela personalidade para lidar com o mundo e suas dificuldades. Em geral, a violência se dá em escalada. Ações menos violentas, que não geram consequências negativas, punições, são seguidas por ações mais violentas, em crescente. Geralmente, o primeiro crime é um homicídio, quando é ação passional. Os homicídios complexos e planejados costumam ser obra de mãos já experientes.

O fato do jovem, que, supostamente assassinou outro dizer: “antes a mãe dele chorar que a minha” é a demonstração de algo? Se sim, o que seria?

Teoricamente, quando alguém justifica um homicídio com uma razão de autopreservação, há uma razoabilidade se foi uma defesa imediata da vida, a legítima defesa. Cessada a emergência, o recurso ao homicídio perde o caráter passional. E uma justificativa, assim, sugeriria falta de remorso.

Podemos dizer que pode estar ocorrendo em nosso país, ao longo dos últimos anos, e, agora, especialmente com a “pós-pandemia” uma “fúria adolescente”? 

Em nossa época, no ocidente, mais especificamente temos uma inexistência de papéis sociais. Pai e mãe tornaram-se vazios de significado, pois ensinamos que pais devem ser amigos dos filhos. Isto gera um problema, pois amigos não pagam contas, trocam fraldas ou deixam heranças. As autoridades paterna e materna validam os papéis e geram referências para a criança. A moralidade pode ser vista como ferramenta cerebral de escolha de condutas mais eficientes na sociedade. Para ser desenvolvida, esta ferramenta requer padrões fixos e claros, e estes dependem de papéis sociais claros, como pai e mãe. Se não há limites claros, a criança perde esta ferramenta chamada moralidade. Em nosso momento da história, há uma crença disfuncional de que autoridade é sinônimo de opressão. Os opressores exercem o poder sem validade moral, e a validade moral do poder se chama autoridade. Portanto, os opressores não têm autoridade, apenas poder. Por exemplo, se eu troco fraldas, alimento, dou banho, abrigo, educo, ensino a andar e falar, é moralmente válido que eu tenha a autoridade para decidir se vai ou não sair só à noite. O vizinho, que nunca fez nenhuma destas coisas, não tem autoridade para participar dessas decisões. Se compararmos a situação, quem tem autoridade responde pela criança. Autoridade e responsabilidade são indissociáveis. 

O fato do jovem suspeito ter confessado ter amarrado as mãos da vítima e enterrado em uma cova rasa num local distante (área de árvores, em mata de difícil acesso) é algum indicativo? Se sim, do que seria?

Genericamente, amarrar uma vítima é garantir que ela não pode se defender. Sugere crueldade. Já a “cova rasa”, geralmente, mostra pouco respeito ao morto, desprezo.  Cavar uma cova comum dá trabalho, que comumente justificamos por respeito ao falecido. Esforços últimos aos restos do que foi alguém importante. 

Ainda de acordo com Machado, “é relevante apontar que há sinais de comportamento antissocial desde cedo, como crueldade com animais ou crianças menores, destruição de propriedades, como os incêndios, pouca reverência às ordens emitidas pelo pai ou mãe, uso de violência em contextos banais, jogos de rua, futebol, por exemplo. O conjunto destas evidências, não uma delas isolada, sugere traços antissociais”. Ou seja, são sinais que os pais devem estar atentos.

OUÇA A VERSÃO DO SUSPEITO

O próprio adolescente de 17 anos suspeito do assassinato disse, em depoimento aos policiais, o motivo de ter matadado uma pessoa, como foi planejado o homicídio e justificou o ato. A equipe do portal Aqui teve acesso ao áudio do depoimento, mas distorceu a voz do suspeito, em respeito às diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

O corpo do adolescente assassinado foi enterrado em cova rasa em meio aos eucaliptos na estrada Cenibra, no Vale do Aço em Minas Gerais | Foto: Reprodução Google Street View

O adolescente apreendido disse que matou o outro jovem porque estaria fazendo ameaças contra ele. “Infelizmente eu tive que fazer esse paradeiro direito porque já tinha dois dias direto que o Mateus estava me ameaçando. Ele me deu dois tapas na cara, foi na quinta-feira. Na sexta, ele puxou um revólver calibre 32, lá perto da área da feira. Ele foi e efetuou três disparos, mas só que ela mascou sabe? Na minha cara, a queima-roupa, só que mascou. Tudo por causa de um baseado que a gente fumou no Itamaraty, no dia de quinta-feira. Ele chegou com os amigos dele que eu não trocava muita ideia com os amigos dele. Eu falei com ele que se ele quisesse fumar o meu baseado ele poderia fumar, mas os meninos que estavam com ele eram “lombrados” (doidos de drogas), tá ligado? Ele falou que era mais fácil eu ficar sem fumar do que os meninos que estavam com ele fumar, falou um monte de “trem” e me deu dois tapas na cara. Eu não sou bobo, já comecei a falar umas coisas com ele. Nós começamos a bater boca e a discussão ficou mais calorosa, eu fui embora e, no outro dia, trombei com ele, que puxou o revolver na minha cara e tentou me matar. Sou mais que a mãe dele chore, do que a minha!  Eu fui lá e fiz um corre (conseguiu dinheiro com venda de drogas ou produto ilícito), tinha um revólver guardado e velho, comprei na caladinha, aproveitei que estava com a faca e o queijo na mão. Era pra mim (sic) tá morto, era pra minha mãe tá chorando. Igual, eu sempre fui um camarada tranquilo, todo mundo ali gosta de mim, brinca comigo, sabe que eu sou um camarada sincero, muito transparente, mas têm tipos de coisas que a gente não tem como evitar. Eu tomei dois tapas na cara, me machucou de uma forma muito grande porque não era de uma pessoa que eu esperava”.    

Ainda de acordo com o adolescente apreendido, no momento do crime, o suspeito contou que a vítima tentou tomar o revólver dele, quando o primeiro disparo aconteceu. “Ele ficou caído no chão e eu abri o porta-malas, peguei uma corda, o amarrei e fui arrastando ele (sic) até lá na frente. Ele já estava quase morrendo, aí comecei a cavar uma cova lá. Estava ‘grilado’ de eles acharem o corpo, eu nunca fiz nada com ninguém, sabia nem o que estava passando na minha mente”, lembra. Embora, questionado pela polícia se o suspeito teria tido ajuda de terceiros, ele respondeu: “no meu psicológico estava sozinho”. O adolescente segue apreendido e vai responder à Justiça. O corpo do jovem assassinado foi reconhecido pelos pais, que o enterraram no cemitério da cidade.

Naiana Andrade

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