A mulher, de 50 anos, é suspeita de se associar ao filho, de 26 anos, no comando de atividades criminosas em Araxá, no interior de Minas Gerais. Ela estava foragida há mais de um ano, segundo a Polícia Civil. A prisão da mulher é um desdobramento da Operação “Wickr”, que investiga o tráfico de drogas, associação para o tráfico, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e falsidade ideológica na região do Alto Paranaíba, desde de 2020. Segundo o delegado à frente do caso, Vinicius Ramalho, as investigações começaram depois que foi descoberto um esquema de venda de drogas sintéticas nas redes sociais. Na época, foram apreendidas milhares de pastilhas de ecstasy, grande quantidade de maconha geneticamente modificada, além de outras drogas sintéticas.
Ainda de acordo com a polícia, também foram identificados, diversos carros de luxo e imóveis adquiridos pelo suspeito, de 26 anos, para lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Ao todo, desde 2020, 32 pessoas foram presas, entre elas, o chefe da organização. Naquela época, a polícia ainda não tinha indícios de que a mãe do líder do grupo criminoso estava envolvida no esquema. “A família era considerada tradicional de uma cidade do interior de Minas Gerais. A mulher é mãe de outros dois outros filhos, que não estão envolvidos no esquema, e é servidora pública federal. As investigações apontam que a participação dela começou quando o filho, que já está preso, ainda aos 18 anos, foi para Europa. Lá ele se envolveu com o mundo das drogas sintéticas, serviu como mula e passou a mandar o dinheiro que ganhava de forma ilícita para casa, aos cuidados da mãe”, afirma Ramalho.
Ainda de acordo com o delegado, era a mãe quem gastava e “lavava” o dinheiro sendo responsável total pelas contas do filho traficante. “Pelo menos de 2016 para cá a família, que já era tida como de classe média alta, passou a adquirir bens de uma forma muito rápida. Começaram a fazer viagens, compras de imóveis e diversos outros bens muito caros, o que poderia não ter chamado a atenção se não fosse o trabalho investigativo policial, que rastreou as contas e de onde vinha tanto dinheiro”, completa Ramalho.
O delegado disse que quando a mãe foi comunicada da prisão do filho, em 2020, ela teria reagido como muitas outras mães nessa condição, dizendo que foi uma prisão injusta. Mas, nessa época, ainda segundo a polícia, a mulher já agia para que a quadrilha não fosse descoberta ou desmantelada usando de toda a capacidade e conhecimento de finanças que tinha. “Ela, assim como um jovem, ficou deslumbrada com tanto dinheiro e seguiu com os negócios comprando carros de luxo e imóveis, inclusive, em nome de terceiros.
Uma das últimas aquisições da quadrilha, descoberta pela investigação, foi a compra de uma grande loja de material de construção que fica em Araxá e que tem uma movimentação financeira diária intensa. O dinheiro da venda de drogas seria lavado ali com facilidade o que dificultaria o trabalho da investigação, mas conseguimos descobrir em tempo”, garante o delegado. A mãe teve o mandado de prisão expedido pela polícia há mais de um ano e desde então desapareceu da cidade. “Ela tinha condições de ficar em outro local. Embora tivéssemos bloqueados bens e contas bancárias dela, a mulher continuava a receber um salário de servidora pública que permitia que se mantivesse em qualquer outro lugar como foragida”, afirma o delegado. “Nas poucas vezes em que tive contato com a mulher, quando ainda não era suspeita de participação dos crimes, ela sempre tentou desqualificar o trabalho da polícia e da justiça. Agora, que o inquérito já foi entregue à justiça, ela está presa em uma ala feminina da prisão em Araxá”, completa o delegado.
Cristiany Morais de Queiroz, psicóloga especializada há mais de 20 anos em abordagem da família e doutora em antropologia cultural pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), analisou as informações e disse que estamos diante de um caso muito diferente de dinâmica familiar. “Na nossa sociedade temos a figura da mãe como aquela que cuida, que protege seus filhos e que se preocupa com a educação deles. Mas, nesse caso especificamente, parece ter existido uma situação diferente onde os papéis aparentemente foram invertidos (pelo menos por um tempo) – o filho passa a chefiar a família – e essa mãe, aparentemente, parece não impor qualquer limite. Ela quando sabe que o filho entra para o mundo do crime não tenta tirá-lo de lá, pelo contrário, se beneficia do esquema por um interesse ligado à busca desenfreada pelo poder, dinheiro e status, sem precisar porque ela já tinha uma condição social boa como servidora pública”, explica. Ainda de acordo com a especialista, um dos sinais que demonstram que a mãe envolvida no esquema “tem tendências altamente narcisistas e psicopata (pessoa que se preocupa apenas com ela e sua imagem) é quando ao invés de tentar tirar o filho da cadeia ou lutar, de alguma forma por ele, ela segue no crime em benefício próprio seguindo foragida, inclusive, para usufruir do dinheiro ilícito a qualquer custo e sem qualquer empatia também com os outros dois filhos dela e que, de alguma forma, ficaram para trás”.
Ainda para a psicóloga Cristiany Morais de Queiroz, diferentemente de uma mãe pobre que vê no filho envolvido no tráfico, e de forma ilícita, uma das únicas formas de sobrevivência familiar, essa mãe presa no esquema descoberto pela polícia de Araxá não entra no crime por necessidade e sim por vaidade extrema. “Ela, possivelmente, usou da posição de funcionária pública federal para conseguir articular toda a lavagem do dinheiro. Não havia necessidade de sobrevivência ali. Isso não quer dizer que uma mãe pobre esteja correta em proteger ao ajudar um filho que entra para o crime por precisar levar comida para casa. Uma coisa não anula a outra. Ambas estão fomentando a criminalidade dentro do lar, mas o que se pode destacar é que houve uma conduta fortemente articulada da mãe presa em Araxá apenas por poder e prazer”, acrescenta Cristiany Queiroz.
A perita na Vara de Família do Rio de Janeiro e psicóloga, Andreia Soares Calçada, complementa dizendo que é preciso entender qual é o simbolismo, qual o significado do dinheiro para essa família em que mãe e filho foram presos no esquema criminoso em Araxá. “Com certeza, existe uma dinâmica nessa família onde os conceitos éticos e morais são diferenciados. As regras e valores sociais não foram internalizados. Provavelmente, essas questões ilícitas poderiam estar acontecendo, nessa família, até mesmo antes do tráfico de drogas. Possivelmente, quando se faz vista grossa quando um filho chega com algo que não é dele em casa ou quando some algum dinheiro da família não se faz nada”, afirma a especialista. Também para ela, há fortes indícios de que essa mãe tenha algum transtorno de personalidade, de caráter, e que o filho segue o mesmo padrão. “São pessoas que dão valor ao ter mais do que o ser. Eu tenho carros luxuosos, tenho roupas de marcas. Ou seja, são padrões passados para os filhos. E muitas vezes, os jovens que são criados com muito dinheiro têm a necessidade de manter o padrão e, principalmente, de sustentar essa imagem nas redes sociais”.